Exposição do Tunga e o Assalto

LIP
6 min readJan 18, 2022

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Caros amigos, colegas, familiares, conhecidos e desconhecidos,

Espero que estejam desfrutando de um ótimo começo de ano!

Compartilho hoje um pequeno texto no formato de lista, com algumas correções, escrito no último domingo, dia 09 de janeiro, na sequência de dois episódios: uma visita à exposição do Tunga no Itaú Cultural e de ter sido assaltado (passo bem, só levaram meu celular).

EXPOSIÇÃO DO TUNGA E O ASSALTO
09.01.22

  1. Por que uma dada energia foi movimentada através de um assalto e não de outra forma?
  2. As 7 pessoas envolvidas (5 assaltantes e 2 assaltados) geraram energia no momento do assalto — por que o assalto foi o meio, o display; por onde essa energia circulou?
  3. Era uma noite cinematográfica com a garoa caindo contra luz — inclusive, não me arrependo de ter caminhado na rua naquela noite. Por que ela foi interrompida por um assalto e não na forma de um espetáculo circense? Por que nós 7 não estávamos tocando uma opereta? Ou jogando bola? Ou discutindo calorosamente um filme? Ou simplesmente vendo a chuva juntos?
  4. Mais especificamente, por que a forma da energia circular (e bens materiais, 2 iPhones) foi agenciada através dessa situação? Uma utopia: Poderíamos ter sido parados por uma velha van, suspeita, onde o motorista abriria uma nesga da janela e seriamos assaltados por um cheiro irresistível de algo nunca antes farejado, ficaríamos totalmente atordoados pelo desconhecido, hipnotizados — como um dia Ulisses ficou pelas sereias — e o motorista sentenciaria: “Me dá o seu iPhone e você pode provar um pouquinho desse néctar, senão eu vou embora e você nunca mais vai sentir esse cheiro”
  5. Infelizmente, o rapaz que me assaltou fez outra proposta, anunciou um jogo: estava disposto a me dar um tiro, em troca por não fazê-lo, exigia uma recompensa material (meu telefone). Por que foi esse o jogo que jogamos?
  6. Claro que a necessidade material, a desilusão, nosso fraco pacto social, a presente situação econômica, a desigualdade social, racial, estrutural que vivemos, preconceito, são elementos fundantes desse jogo, mas não é tão literal o que estou perguntando, não estou interessado em fazer uma análise social do assalto.
    Que contra jogo poderia ser proposto que faria frente ao jogo-roubo? Esse foi o jogo proposto pelo assaltante, qual jogo eu proponho? Não estou falando de maneira literal como reagir ao assalto, mas o que faz frente ao assalto?
  7. Sobre a exposição: Que energia Tunga movimenta? A exposição é um display para movimentar que tipo energia? Que jogo está sendo proposto pelos organizadores da exposição e pelo trabalho do artista? Independente da qualidade dos trabalho expostos, me chocou o quão horrorosa é a expografia, não só pela quantidade de trabalhos encavalados, mas pelos objetos “educativos”…
  8. Quando vi pela primeira vez um o Cy Twombly e um Beuys no Hamburger Bahnhof, chorei. Me comovo com os desenhos das sessões de sexta ou, muitas vezes, em conversas ao caminhar com Rubens Espírito Santo (RES) — que forma de assaltar são essas?
  9. Tanto o assalto e a exposição do Tunga foram eventos ativos, mas o segundo não fez o meu sangue correr, nem minimamente próximo do primeiro. Do assalto, eu saí leve, da exposição eu saí pesado. Alguém poderia considerar que não é justo comparar um assalto a uma exposição, mas se não esperarmos que arte faça frente à violência de um assalto, ela estaria reduzida a um mero entretenimento decorativo. Se é isso, no que consiste a violência da arte?
  10. Para não deixar margem a uma interpretação rasteira: não escrevo como uma ode ao assalto, mas se fui assaltado, me interessa investigá-lo.
  11. Ir de ônibus para Belém é uma tentativa de contra-assalto, de fazer frente a um evento como um assalto? Definitivamente é algo que faz o meu sangue correr, que gera energia.
  12. O menino do bando que me assaltou devia ter no máximo a metade da minha idade. Eu estava assustado, mas seus olhos sob o capuz denunciavam que ele estava muito mais.
  13. Não sinto raiva, nem tristeza pelo assalto, mas um constrangimento, um constrangimento em ser essa a situação que nos agenciou nessa noite de sexta… insisto, o é que preciso para propor um outro tipo de agência?
  14. Se o teatro trágico não tem mais a magia e o poder transformador que já teve um dia na Grécia antiga, o que se diria dele hoje em dia — o teatro, o museu, o cinema? Qual é o display de agência do espírito hoje? Como eu, como artista, vou agenciar a energia latente? Vou ser um agente de calor e levar o celular das pessoas na rua?
  15. Voltando à exposição do Tunga: Confesso que tenho uma profunda aversão às peças para serem manuseadas propostas pelo “educativo”: sobre o pretexto de “educar crianças” ou ser “inclusivo”, esvaziam o museu de qualquer chance do espírito aparecer, reduzindo-o a uma proto feira de ciências infantil, e cindindo a arte de qualquer implicação na vida do espectador, de maneira metafórica E literal: aqui é arte, don’t touch, aqui é brinquedo, pode tocar. Tratam o espectador e o artista como parvos, como se mexer na limalha de ferro tivesse qualquer relação com a obra do Tunga.
  16. Mais do que nunca, a crítica de Dave Hickey* de que há um projeto de domesticar a arte, transformá-la em algo dócil — ou seja, escamoteando sua dimensão de assalto — explicando-a, reduzindo a para ser apresentada a de maneira perfeitamente segura, contextualizada e controlada, me parece extremamente assertiva.
  17. Por motivos quase opostos, tanto a exposição como o assalto evidenciam a urgência da arte, da arte como assalto — Me sinto totalmente implicado a contra-assaltar ! Para onde foi a dimensão de ASSALTO da arte ?
  18. Essa pergunta só existe porque arte é um assalto, tem a violência de um assalto! Se não fosse, seria injusto da minha parte demandar algo que não é proposto, como me revoltar contra o mar por ele não ser seco, mas não é o caso, arte tem esse poder e não é uma pergunta utópica, esse calor existe, e muitas vezes me invade ao presenciar e participar da obra de RES.
  19. No assalto, o que significa ser ativo? O que seria agir ? O rapaz que anunciou o assalto foi ativo e me exigiu atividade, me implicou: ficar calmo, agir friamente e entregar meu celular foi a melhor forma de atividade para mim: Reagir ao assalto seria um puta jeito estúpido de ser ativo, essa não é minha mídia (reagir a assalto) — fico feliz de não ter reagido como já reagi uma vez.
  20. Quem assalta, é o quê ? E quem não está assaltando está fazendo o quê?

Por fim, compartilho o logo da expedição São Paulo, que não deixa de ser minha proposta de assalto! Ao que tudo indica, irá sair no dia 7 de fevereiro: estamos nas última semanas de captação pelo catarse, e quase atingindo a meta mínima da campanha.

MUITO OBRIGADO a todos que participaram e irão receber os textos da expedição, será uma aventura no sentido mais puro da palavra!

Caso você tenha interesse em acompanhar a expedição, o financiamento ainda está aberto, basta visitar este link aqui

* Tal crítica de Dave Hickey se encontra no Livro “Perfect Wave — more essays on art and democracy”, no texto “A World like Santa Barbara”.

* Textos revisados por CCS — Muito Obrigado !

Luca Parise é artista e pesquisador no Conglomerado Atelier do Centro (CAC), onde é orientado pelo artista, pensador e pedagogo, Rubens Espírito Santo. Baseado em São Paulo, Brasil.

Esse texto é parte e tributário da pesquisa desenvolvida no Méthodo (MTH) empreendida por RES e todos no CAC, a quem sou muito grato. Agradeço à Anna pela sugestão de enviar este texto e a Camila Gerhard e Simon Fan pelas perguntas e auxílio nos ajustes finais (fundamentais) do texto!

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