Imagina SP: França, Linn da Quebrada, cidade mais humana e o papel da ficção

LIP
5 min readNov 18, 2022

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Caras e Caros,

Depois de meses em silêncio por aqui, após o término da Expedição São Paulo Belém, estou particularmente animado em retomar essa interlocução dividindo neste texto uma ideia que é ponto de partida para um projeto muito importante (que lentamente começa a tomar forma), o Imagina SP.

A Biblioteca Paulística é um trabalho-pesquisa que busca reunir livros, CDs, mapas e postais relacionados com a cidade de São Paulo. Hoje, já conta com quase 200 tomos.

Impulsionado pelo turbilhão político e emocional que foram as últimas eleições, tenho me dedicado a investigar e estudar como se pode participar da transformação de São Paulo em uma cidade mais humana?

Mas, o que seria essa cidade “mais humana”? Seguramente, seria mais igualitária, salubre, acessível, verde e menos violenta, menos preconceituosa… ok, mas tudo isso é bastante abstrato. A pergunta é: Conseguimos imaginar essa cidade? Visualizar como ela seria? Conseguimos, na (suposta) liberdade do pensamento, dar forma a essa São Paulo mais humana?

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Nessa semana que passou, você se imaginou nadando no rio Tamanduateí limpo num agradável fim de tarde em um sábado ensolarado e logo depois encontrando amigos para um piquenique num gramadão no parque dom Pedro II? Ou até mais “simples” — Você imagina como seria uma São Paulo com baixos índices de violência e altos níveis de escolaridade?

Não? Nem eu.

Mas essa semana pensei que queria ter um Macbook Pro M2 ou que seria legal morar numa cobertura ou em Nova Iorque…

Ok. Qual o problema?

Essa São Paulo mais humana não habita meus pensamentos e desejos corriqueiramente, mas a Apple, a cobertura e Nova Iorque, sim. Por quê?

Mais especificamente, faltam recursos imagéticos e narrativos para dar forma ao sonho dessa cidade: simplesmente ela não se materializa no imaginário. Isso é um problema, pois ela não será construída por acaso, a primeira etapa para se ter algo construído é desejar, aspirar, sonhar com esse algo a ser construído.

Existem coletivos, empresas, pessoas, institutos comprometidos com a construção de uma cidade mais humana, mas não conseguem vencer o fogo cruzado de tantos outros interesses, mídias e demandas e povoar o nosso imaginário como desejo e sonho. O que é necessário para que a crença numa cidade mais humana ganhe espaço nessa batalha e se insira em nosso imaginário de maneira mais ostensiva?

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Anúncio recortado do Estadão da última quarta (9/11)

Por favor, leia este anúncio, publicado no jornal aqui em São Paulo!

Além de tudo que foi produzido na França nas últimas centenas de anos, há um investimento ativo em fortalecer um imaginário, a ponto de fazer um anúncio desses num jornal do outro lado do mundo! Vocês já leram algum anúncio assim sobre São Paulo? Qual seria o conteúdo desse anúncio de São Paulo?

Há uma linha que liga este anúncio publicado no jornal com o fato do único brasileiro agraciado com a Medalha Fields (maior condecoração no campo da matemática), o carioca Artur Avila, ter se tornado cidadão francês… mas não vamos seguir esse caminho (hoje).

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Linn da Quebrada

No último episódio do podcast do Mano a Mano, Linn da Quebrada diz ao Mano Brown: “… O Brasil, que é o país que mais mata travestis… Mas eu não quero falar disso, porque toda vez que eu anuncio, eu reconstruo essa violência, essa violência sai da minha boca e eu digo que ainda é, mas não é mais. Eu não quero mais. Quero ficcionar. Inventar histórias de que é o Brasil que mais forma travestis astronautas.”

Você já pensou, construiu imagens de travestis brasileiras astronautas na sua cabeça? Pronto, agora ela existe. Isso não faz com que existam travestis astronautas, mas sem dúvida, isso faz com que seja um pouquinho mais possível termos uma travesti astronauta brasileira, simplesmente por essa imagem ter passado a existir no nosso imaginário.

IMPORTANTE: Há uma grande diferença entre viver uma fantasia — agindo como se São Paulo simplesmente não fosse uma cidade violenta e sair para caminhar à noite com o celular pendurado no pescoço (você será provavelmente assaltado se o fizer) — e ficcionar que São Paulo pode se tornar uma cidade mais humana: andar mais de transporte público ao invés do carro; trocar o encontro com uma amiga num bar pelo parque; conhecer mais a história do seu bairro, etc. A ficção que nós construímos tem um papel fundamental na construção da cidade.

O que me parece mais interessante (e uma oportunidade): se há uma crise do imaginário e de narrativas da cidade de São Paulo, temos uma ótima notícia, pois temos um “campo de batalha” identificado e bem delimitado para atuar: o imaginário. A partir disso, o que podemos fazer? Quais são os instrumentos materiais necessários para ativar essas narrativas e imagens positivas? Qual é a melhor forma de criá-los?

O Imagina SP é um projeto que busca responder essas perguntas e vai começar com uma série de textos bimensais que enviarei por aqui.

PS: Todos os textos, já revisados (obrigado CCS!), estão sendo salvos nesta página do Medium aqui.

Esse texto é parte e tributário da pesquisa desenvolvida no Méthodo (MTH) empreendida por RES e todos no CAC, a quem sou muito grato. Agradeço a todos que trouxeram inputs para o projeto, particularmente ao Simon Fan, Bruno Couto e Camila Padilha!

Luca Parise é artista e pesquisador no Conglomerado Atelier do Centro (CAC), onde é orientado pelo artista, pensador e pedagogo, Rubens Espírito Santo. Baseado em São Paulo, Brasil.

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